Construção de instrumentos musicais segundo modelos pré-históricos
De 6 a 10 de Setembro de 2010 foi realizada a primeira oficina em Portugal de reprodução de objectos musicais do calcolítico encontrados em pesquisas arqueológicas efectuadas na Europa. O sucesso deste trabalho deve-se à fantástica contribuição de François Moser, professor de larga e entusiasta experiência.
Tudo foi iniciado num feliz encontro, no 5º Congresso de Musicologia Interdisciplinar decorrido em Paris em Outubro de 2009. A partir de Fevereiro foram estabelecidos os contactos com as diferentes instituições que poderiam participar e foi preparado o curso, com a encomenda e compra do material especial necessário.
Em Julho foi feita uma recolha de argila de locais diferentes, sendo analisadas as características próprias de cada filão. Peneirou-se e testou-se a reacção desta argila "natural" à moldagem. Foi também construído um forno de chama directa segundo uma das numerosas técnicas conhecidas utilizando um dos tipos de argila. A intenção é experimentar as diferenças na argila e também demonstrar a maior dificuldade no manuseio da "natural" por oposição à "preparada". Adquiriu-se assim, para facilitar o trabalho com os instrumentos de maior dimensão, uma quantidade suficiente de argila comercial. Entretanto, o Professor Moser iniciou no final de Agosto o seu trajecto desde o noroeste de França até Castelo Branco. Mesmo depois de tudo organizado, e vindo munido de toda uma panóplia de materiais, havia que chegar com a antecipação necessária, uma semana antes, para se proceder aos retoques finais, nomeadamente a escolha das peles, neste que seria o primeiro curso deste género em Portugal.
Andreas Herold |
O espaço onde se proporcionou realizar o curso foi numa bela quinta na Serra de S. Mamede (distrito de Portalegre), gentilmente cedido por Andreas Herold (suíço), cujo empenho e dedicação foram exemplares.
Sala para a parte teórica do curso. |
Durante os primeiros dois dias (a partir das 16 horas) foram ensinadas técnicas básicas para a modelagem de objectos em argila, tendo-se optado por dois métodos para a construção dos "vasos sem fundo": técnicas de rolinho e de placas. Sempre atento, o Prof. Moser arriscava com segurança os objectos nas mãos dos receosos aprendizes: "faça!". E fizeram-se; às principiantes taças seguiram-se os tambores e até uma pequena trompa (modelo também encontrado na pré-história).
Os objectos eram colocados a secar à medida que se faziam, condição imprescindível para que se conseguisse fazer a cozedura na 5a-feira e terminar o curso na 6a-feira. Aproveitaram-se também estas longas horas de trabalho calmo para se exporem conceitos ligados à arqueologia experimental e à organologia.
Os objectos eram colocados a secar à medida que se faziam, condição imprescindível para que se conseguisse fazer a cozedura na 5a-feira e terminar o curso na 6a-feira. Aproveitaram-se também estas longas horas de trabalho calmo para se exporem conceitos ligados à arqueologia experimental e à organologia.
Prof. Moser mostra o avanço do forno ao Prof. Sarantopoulos |
Ei-lo, o simpático |
A nossa colecção estava pronta para o teste mais duro: a cozedura, no "simpático", durante largas horas. Entre as peças, de barro natural e preparado, estava uma quase-flauta e uma pequena trompa.
Todos para dentro... |
Reconhecendo não só que o tempo urgia em relação ao ensino de tantas possíveis técnicas no fabrico das mais variadas coisas, aliada à vontade de conhecer dos participantes, o Prof. Moser apresentava inspiradora e constantemente novas aprendizagens, desde o simples fazer de um fio (explicando o complexo processo de descamação para chegar às fibras com que se constrói) à tecelagem (daí os originais chapéus, estojos e sapatos). Seriam estes os fios utilizados na construção dos tambores, para segurar as peles. Cortaram-se também tiras de pele/couro.
Prepararam-se as peles para no dia seguinte serem colocadas nos tambores, com limpeza e corte segundo o diâmetro dos tambores, o qual depende dos vários feitios dos objectos de barro.
O nosso cuidado com o forno nunca poderia ser excessivo, tal o perigo que corremos com o calor supremo sentido este verão - a lenha ardia com facilidade. Nunca saímos do local. Tínhamos avisado as entidades responsáveis e foi-nos dado um parecer positivo pelos bombeiros de Castelo de Vide. O Prof. Moser observava atentamente o progresso do fogo e foram tomadas todas as precauções (terreno limpo e grande quantidade de água, inclusive com pressão).
Entretanto ouviram-se ruídos... quebrara-se algo.
No dia seguinte a curiosidade avançou, depois de arrefecido o forno: o 'suspense' era aumentado à medida que se retiravam as peças. Tudo impecável, nem uma havia sido quebrada. Os ruídos tinham sido dos já cacos com que havia sido construído o forno, um em especial na entrada da lenha.
Procedeu-se então à finalização dos tambores. A técnica mais simples, que consiste em esticar a pele sobre um objecto com proeminências, que servem justamente para reter a corda que segura a pele a essas "asas"; é rápida mas exige quatro pessoas. Foram utilizadas três outras técnicas para os objectos lisos, e pode-se ver, na fotografia abaixo, coser-se uma bainha para uma maior resistência à tensão.
Depois de construído um anel de sustentação (com corda revestida de casca de tília), estica-se a pele entre este e a bainha. Construíram-se também tambores duplos, em que as duas peles são cosidas e a tensão criada por afunilamento.
Toda esta semana foi uma experiência única. Para além da aquisição de conhecimento, que envolveu uma série de áreas teóricas e práticas, o grupo de pessoas era excepcional. O convívio foi óptimo, com um arreigado sentido de cooperação e partilha de ideias. Houve visitas várias, e mesmo as pessoas que não puderam participar directamente tentaram ajudar na divulgação deste curso, com especial destaque para Dettlef. Note-se que foi o primeiro curso deste tipo a realizar-se em Portugal, com a colaboração de portugueses e estrangeiros (França, Suíça, Alemanha, Holanda e Grécia) numa actividade inter-cultural. Aqui existiu verdadeiramente um diálogo entre povos num ambiente fabuloso de pessoas sãs. Inesquecível.
Queríamos deixar o nosso profundo agradecimento a todos quantos participaram e contribuíram para que esta Oficina de Arqueologia Experimental sobre Instrumentos Musicais Pré-Históricos fosse uma realidade. Bem-hajam!
APOIO
UnIMeM - Fundação para a Ciência e a Tecnologia