domingo, 12 de setembro de 2010

Oficina de Arqueologia Experimental

Construção de instrumentos musicais segundo modelos pré-históricos

De 6 a 10 de Setembro de 2010 foi realizada a primeira oficina em Portugal de reprodução de objectos musicais do calcolítico encontrados em pesquisas arqueológicas efectuadas na Europa. O sucesso deste trabalho deve-se à fantástica contribuição de François Moser, professor de larga e entusiasta experiência. 


Tudo foi iniciado num feliz encontro, no 5º Congresso de Musicologia Interdisciplinar decorrido em Paris em Outubro de 2009. A partir de Fevereiro foram estabelecidos os contactos com as diferentes instituições que poderiam participar e foi preparado o curso, com a encomenda e compra do material especial necessário. 
 
Em Julho foi feita uma recolha de argila de locais diferentes, sendo analisadas as características próprias de cada filão. Peneirou-se e testou-se a reacção desta argila "natural" à moldagem. Foi também construído um forno de chama directa segundo uma das numerosas técnicas conhecidas utilizando um dos tipos de argila. A intenção é experimentar as diferenças na argila e também demonstrar a maior dificuldade no manuseio da "natural" por oposição à "preparada". Adquiriu-se assim, para facilitar o trabalho com os instrumentos de maior dimensão, uma quantidade suficiente de argila comercial. Entretanto, o Professor Moser iniciou no final de Agosto o seu trajecto desde o noroeste de França até Castelo Branco. Mesmo depois de tudo organizado, e vindo munido de toda uma panóplia de materiais, havia que chegar com a antecipação necessária, uma semana antes, para se proceder aos retoques finais, nomeadamente a escolha das peles, neste que seria o primeiro curso deste género em Portugal.

Andreas Herold

O espaço onde se proporcionou realizar o curso foi numa bela quinta na Serra de S. Mamede (distrito de Portalegre),  gentilmente cedido por Andreas Herold (suíço), cujo empenho e dedicação foram exemplares.


Sala para a parte teórica do curso.
O curso foi reestruturado para se adaptar às condições de trabalho existentes e o tempo ajudou enormemente, pois quase todas as sessões foram efectuadas ao ar livre. O Prof. Moser trouxe de França caixas e caixas com exemplos de variadíssimos instrumentos e utensílios, diversos tipos de materiais e modelos exemplificativos, cartazes sobre procedimentos na (re)construção de instrumentos (baseados nomeadamente em iconografia), livros e arquivos repletos de anos de pesquisa e experimentação, bem como o inseparável computador. A sala preparada com esta profusa exposição provou ser mais útil do que o previsto, pois foi um recurso constante para mostrar as diferentes facetas deste trabalho aos vários interessados que conseguiram visitar ou mesmo frequentar parte da oficina.



Durante os primeiros dois dias (a partir das 16 horas) foram ensinadas técnicas básicas para a modelagem de objectos em argila, tendo-se optado por dois métodos para a construção dos "vasos sem fundo": técnicas de rolinho e de placas. Sempre atento, o Prof. Moser arriscava com segurança os objectos nas mãos dos receosos aprendizes: "faça!". E fizeram-se; às principiantes taças seguiram-se os tambores e até uma pequena trompa (modelo também encontrado na pré-história).




Os objectos eram colocados a secar à medida que se faziam, condição imprescindível para que se conseguisse fazer a cozedura na 5a-feira e terminar o curso na 6a-feira. Aproveitaram-se também estas longas horas de trabalho calmo para se exporem conceitos ligados à arqueologia experimental e à organologia.

Prof. Moser mostra o avanço do forno ao Prof. Sarantopoulos
Com a sincronização perfeita entre músculos (recolha e preparação de argila para o forno de cerca de um metro de diâmetro) e a concepção arquitectónica, conseguiu-se concluir o forno no final do terceiro dia, não sem antes termos tido a ilustre visita de um verdadeiro entusiasta, o arqueólogo Panagiotis Sarantopoulos (grego). Num necessário intervalo, para permitir a secagem do barro que se ia colocando no forno, fomos fazer uma visita a um forno de cerâmica de grandes dimensões que existe nesta quinta (diz-se "romano", mas sem certezas), testemunho da utilização destas terras ricas em argila. Algumas das peças de cerâmica foram feitas precisamente com esta argila, dir-se-ia quase "pronta a usar", sem necessidade de uma grande preparação, como o acréscimo de desengordurante ou um longo (e cansativo) amassar.


Ei-lo, o simpático

A nossa colecção estava pronta para o teste mais duro: a cozedura, no "simpático", durante largas horas. Entre as peças, de barro natural e preparado, estava uma quase-flauta e uma pequena trompa.

Todos para dentro...



Reconhecendo não só que o tempo urgia em relação ao ensino de tantas possíveis técnicas no fabrico das mais variadas coisas, aliada à vontade de conhecer dos participantes, o Prof. Moser apresentava inspiradora e constantemente novas aprendizagens, desde o simples fazer de um fio (explicando o complexo processo de descamação para chegar às fibras com que se constrói) à tecelagem (daí os originais chapéus, estojos e sapatos). Seriam estes os fios utilizados na construção dos tambores, para segurar as peles. Cortaram-se também tiras de pele/couro.

Prepararam-se as peles para no dia seguinte serem colocadas nos tambores, com limpeza e corte segundo o diâmetro dos tambores, o qual depende dos vários feitios dos objectos de barro.

O nosso cuidado com o forno nunca poderia ser excessivo, tal o perigo que corremos com o calor supremo sentido este verão - a lenha ardia com facilidade. Nunca saímos do local. Tínhamos avisado as entidades responsáveis e foi-nos dado um parecer positivo pelos bombeiros de Castelo de Vide. O Prof. Moser observava atentamente o progresso do fogo e foram tomadas todas as precauções (terreno limpo e grande quantidade de água, inclusive com pressão).

Entretanto ouviram-se ruídos... quebrara-se algo. 




E pouco depois, outro estalo. Alguma coisa havia sido afectada.






No dia seguinte a curiosidade avançou, depois de arrefecido o forno:  o 'suspense' era aumentado à medida que se retiravam as peças. Tudo impecável, nem uma havia sido quebrada. Os ruídos tinham sido dos já cacos com que havia sido construído o forno, um em especial na entrada da lenha.


Procedeu-se então à finalização dos tambores. A técnica mais simples, que consiste em esticar a pele sobre um objecto com proeminências, que servem justamente para reter a corda que segura a pele a essas "asas"; é rápida mas exige quatro pessoas. Foram utilizadas três outras técnicas para os objectos lisos, e pode-se ver, na fotografia abaixo, coser-se uma bainha para uma maior resistência à tensão.
Depois de construído um anel de sustentação (com corda revestida de casca de tília), estica-se a pele entre este e a bainha. Construíram-se também tambores duplos, em que as duas peles são cosidas e a tensão criada por afunilamento.











Toda esta semana foi uma experiência única. Para além da aquisição de conhecimento, que envolveu uma série de áreas teóricas e práticas, o grupo de pessoas era excepcional. O convívio foi óptimo, com um arreigado sentido de cooperação e partilha de ideias. Houve visitas várias, e mesmo as pessoas que não puderam participar directamente tentaram ajudar na divulgação deste curso, com especial destaque para Dettlef. Note-se que foi o primeiro curso deste tipo a realizar-se em Portugal, com a colaboração de portugueses e estrangeiros (França, Suíça, Alemanha, Holanda e Grécia) numa actividade inter-cultural. Aqui existiu verdadeiramente um diálogo entre povos num ambiente fabuloso de pessoas sãs. Inesquecível.




Queríamos deixar o nosso profundo agradecimento a todos quantos participaram e contribuíram para que esta Oficina de Arqueologia Experimental sobre Instrumentos Musicais Pré-Históricos fosse uma realidade. Bem-hajam!


APOIO
 UnIMeM - Fundação para a Ciência e a Tecnologia